Há muito que esperava por este momento: voltar aos locais onde estive debaixo de fogo. Alguns (antigos combatentes do ultramar, por exemplo) saberão o quanto isto significa, outros nem tanto.
Recordo, para já, pequenas partes do que escrevi no livro “Repórter de Guerra” e que se reporta ao último combate travado entre o Kuito e o Andulo.
Todos sabemos que a qualquer momento as duas frentes vão chocar. Acontece por volta das três da tarde e, simultaneamente, a UNITA inicia aquele que será o bombardeamento de artilharia mais violento de toda a ofensiva. A primeira granada cai mesmo ao pé de nós. Mal lhe sentimos o assobio, cada um foge para seu lado. Eu dou uma cambalhota na direcção de um tanque. Levo comigo o telefone satélite, a mochila da tropa e uma outra sacola mais pequena com cassetes e baterias. O rebentamento despeja-me pedaços de terra e de capim. Sacudo a cabeça, olho para o lado e já não vejo o Cabina. Chamo-o e não me responde. Volto a gritar o nome dele e nada. A única resposta foi mais um rebentamento e mais uma chuva de terra. Estão com o tiro em cima da nossa posição. Rastejo até me esconder debaixo do carro de combate. É melhor ficar aqui mesmo.
(…)
Alguém me toca no ombro. É um soldado que veio a rastejar para me dizer que o meu colega está a uns cinquenta metros daqui, junto dos comandantes. Esperamos pelo próximo rebentamento e corremos, agachados e o mais depressa possível. Por sorte, nestes curtos segundos, só ouvi o zumbido dos projécteis disparadas do outro lado. O Cabina, comandantes, soldados e as peças de combate, escondem-se por detrás de um pequeno morro de terra.
(…)
Tenho de pensar rapidamente em alguma coisa para entreter a
minha cabeça. Não tarda nada desato a correr por aqui fora e só paro no Kuito. Tento, tento… e não consigo. No próximo tiro que vier do lado da UNITA, vou contar os segundos desde que se começa a ouvir o assobio até ele explodir. Já me avisaram que se deixar de ouvir o assobio é mau sinal: é porque me vai cair em cima. Aí vem mais um. Saiu… alguns segundos de espera e… o assobio começa a ouvir-se… um, dois, três…é cada vez mais forte… quatro, cinco, seis… ouve-se mais forte, mais forte e…sete, oito, nove... está muito próximo…dez… por um momento desaparece… meu Deus, será que… BUUUM!!! Não! Ainda não foi desta. Volto a suspirar fundo. Que alívio. É assim a cada tiro disparado pela UNITA.
(…)
- UNITA! UNITA! UNITA! Vem UNITA! Vem UNITA!
Será que estou a sonhar e isto não passa de um eco? A dúvida é rapidamente desfeita com os meus colegas a puxarem-me pelo camuflado. Parecem assustados. E estão assustados. Em pânico, diria mesmo.
- Luís, vem aí a UNITA! Temos de fugir!!!
Agarro nas duas mochilas e sigo atrás deles. Não sei para onde correm, apenas que estão a fugir para trás, que os soldados da UNITA estarão a poucos metros de nós e que a qualquer momento pode sair uma rajada e traçar-nos aqui mesmo. Felizmente, isso não acontece. Oiço muitos tiros mas, aparentemente, nenhum terá sido disparado sobre nós.
Dez anos depois, alguns dos carros de combate ainda lá estão.
Este é o “BMP2” que refiro no livro e cuja passagem passo a citar:
Algumas viaturas blindadas BMP são mandadas avançar para apoiarem a infantaria que está frente a frente com o inimigo. Uma passa por nós a toda a velocidade e não anda mais de cem metros até se ouvir uma tremenda explosão seguida de rebentamentos e de uma coluna negra que aparece do outro lado das árvores. Foi atingida. Outras duas BMP, que seguiam um pouco mais atrás, regressam à mesma velocidade com que haviam partido. As peças de artilharia disparam apenas com poucos segundos de intervalo. Estão todas direccionadas paralelamente ao solo e as da UNITA a menos de duzentos metros de nós. É incrível. Daqui para lá, sai todo o tipo de munições disponíveis, cada uma com o seu som característico. Do outro lado, fazem o mesmo. É o inferno ao vivo e eu poderei dizer que já lá estive. Só não sei se volto para contar.
José Cabina, o repórter de imagem que me acompanhou durante toda a ofensiva.
Amanhã vou contar a história do António.
Era soldado da UNITA e estava do outro lado.
Luís Castro no Kuito
De terezadapraia a 17 de Setembro de 2008
dez anos depois, o medo deu lugar à emoção :)
e é muito bom sentir isso, mesmo a esta distância louca,
e não se esqueçam de celebrar isso muito bem :)
que bem merecem...
parabéns!!!
e já agora, que daqui a dez anos, a emoção seja ainda maior ~~
e um santo regresso a casa!
De Saturnino Mandela a 17 de Setembro de 2008
Luis
Hoje comemora-se o dia do heroi nacional, permita-me que diga isso :TU TAMBEM ES UM HEROI.
Acompanhei alguns dos videos atraves da RTP mas infelizmente não tive a oportunidade de ler o seu livro, nao sei se tera cá em Angola, de qualquer forma vou procurar nas livrarias .
Não pela guerra em si mas para enternder o que vai na alma de reporteres como tu na cobertura duma guerra .
Ate breve .
Saturnino,
o livro só está á venda em Portugal e praticamente esgotado.
Há uma proposta para o lançar em Angola no início do próximo ano. Vamos ver.
Sobre os heróis, os angolanos são o mlelhor exemplo.
Abraço, amigo.
LC
De Teresa a 17 de Setembro de 2008
Obrigada por partilhar estas emoções!
Parabéns pelo trabalho brilhante que está a desenvolver! Há falta de gente como o Luis que com os olhos do coração e cheio de esperança nos conta e relembra o que foi e poderá ser Angola.
Boa Sorte Angola, o teu povo merece!
e nós, Luis, ficamos a aguardar a história do António!
Teresa,
acabei de publicar.
O que nos acontecerá quando perdermos a esperança?
Obrigado.
Bjs
LC
De Teresa a 17 de Setembro de 2008
Até amanhã!
De Caldeira a 17 de Setembro de 2008
Luis tenho pena não ter dado para ir ontem ao trópico, mas entendes coisas de Luanda...Espero em breve a gente se encontrar e enfim conhecermo-nos pessoalmente, estou a tentar ligar a bastante tempo e não consigo (coisas do BFA desculpe da UNITEL) alguem ficou de esprestar-me o Reporter de Guerra, e vou ler depois comento...se viajares hoje desejo-te boa viajem e um regresso muito breve, eu vou ligando e em breve estarei ai no Porto (valongo) a visitar minha mãe (que não vejo desde 1985) ver minha filha e conhecer a neta, procurarei contactar-te.
Um abraço bem forte e muitos sucessos...
Caldeira
Estava a terminar estas linhas quando ligaste já de Lisboa e não quero alterar linha nenhuma, fiquei feliz em saber que és de Valongo, espero que estejas com a familia o mais rapido possivel, felecidades...descansa o suficiente a jornada foi dura.
Um abraço e breve encontro...
Obrigado.
Fica para a próxima, cá ou aí!
Espero que goste do livro.
Abraço forte.
LC
De Isaura a 17 de Setembro de 2008
Luís que bom sabê-lo bem, de regresso a casa, que bom ouvi-lo depois da missão!! Melhor ainda, saber que aí continua a pensar em nós!
Aqui, no Huambo, os comentários ao seu trabalho continuam a encher-nos de orgulho.
Quanto ao Club de Fans...ainda vou ponderar.
Vou despender alguma energia no projecto da Casa do FCP, será a homenagem que quero prestar-lhe por tudo o que Sempre nos dá, homenagem devida de uma benfiquista :)
Do Huambo, com Amor
É bom saber que contribuimos para mostrar a real imagem do Huambo e das suas gentes, portugueses incluidos.
Bjs e até breve...
julgo que voltarei ainda este ano, vamos ver.
LC
De Duarte a 18 de Setembro de 2008
Sem querer retirar o mérito à análise que aqui se tem feito sobre a situação em Angola, faço um apelo para a realização de um debate neste espaço, tão urgente quanto possível, sobre o Momento da Verdade, da Sic. Para quem se preocupa com o rumo que a televisão está a tomar em Portugal, julgo que se justifica.
Aproveito para tornar públicos os parabéns pelo trabalho, que já tive oportunidade de te dar de viva voz.
Duarte
Obrigado Duarte.
Esse "Momento da verdade" é o novo concurso?
Já ouvi falar...
Ab.
LC
Bom dia Luís!
Quando a "coisa" nos está no sangue, já nem sei se a palavra saudade se encaixa no contexto. Mas regressar a um local desses, volvidos todos esses anos, é algo que eu compreendo. A mesma saudade dilacera-me a alma por Timor-Leste. Quero um dia voltar lá, ver as mudanças, ver os sorrisos das crianças, pisar os sítios por onde andei em 2000...
Espero que a "tua" Angola tenha desta vez mais motivos de reportagens sem teor bélico, sem tiros e arames de tropeçar!
Vai dando notícias... sempre!
Aquele abraço.
Amigo,
tens de voltar a Timor.
É outro cenário que eu quero um dia revisitar.
Por ond andas?
Abraço
LC
Viva Luís!
Neste momento divido o meu tempo entre o trabalho em Tancos, na Escola de Tropas Pára-quedistas e a minha casa em V. N. da Barquinha.
Mas, aqui na sombra, vou sempre lendo as tuas crónicas e acompanhando de perto todos os teus escritos.
Relembro-te que continuo a ter aqui em casa um livro... sem o teu autógrafo! Temos que nos encontrar um dia destes!
Um abraço amigo.
Quando fores para os lados de Lisboa,
liga.
Ou passas por lá para RTP para conheceres aquilo.
Ab.
LC
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