Tal como prometido, cá vai a primeira parte.
Responderei a todos os comentários quando regressar.
Até breve
Luís Castro
“Como se amaciam os jornalistas” Iª parte
Excertos do livro Repórter de Guerra, editado em Junho de 2007
(…)
Polícia e exército impedem a passagem a todos os jornalistas que não estejam autorizados pelos americanos. Só passam os chamados “embedded” que vão seguir na linha da frente, uma vez que aceitaram e assinaram um documento com dezenas de limitações à normal cobertura de qualquer guerra ou situação de conflito. Desta vez, Bush percebeu como amaciar os grandes canais de televisão americanos e as agências de informação. Dá-lhes aquilo que eles querem, ou seja, as imagens da guerra, e em troca eles acabam por esquecer ou relativizar as outras histórias da guerra, tal como os danos colaterais. Os responsáveis da Casa Branca e do Pentágono sabem que qualquer imagem de civis mortos poderá acicatar ainda mais os ânimos contra eles.
(…)
Equipamos o Mitsubishi com tudo aquilo que as previsões, o bom senso e o instinto nos aconselham para podermos sobreviver no deserto iraquiano durante a guerra. Mandámos colocar um tejadilho no jipe para comportar maior capacidade de carga. Em cima, vão dez caixas de doze garrafas de água de litro e meio cada, compressor de ar, carregador de baterias, pás, um pneu e jante adicional. A carga ficou devidamente acondicionada por uma rede e por cabos que a prendem ao tejadilho. Dentro do jipe vão as nossas mochilas, sacos-camas, coletes à prova de bala, fatos NBQ, telefone satélite, transformadores, lanternas, um foco de luz, ferramenta diversa, comida enlatada, frutos secos, pão local em fatias, talheres, pratos de plástico, papel higiénico, guardanapos, uma lona e todo o tipo de tralha. Comprámos ainda várias caixas de toalhetes, óculos e máscaras por causa do pó do deserto, luvas d cirurgia e pomadas para as queimaduras do sol. O jipe leva oitenta litros de gasolina no depósito e mais duzentos e vinte
Acordamos às quatro e meia da manhã e seguimos, ainda de noite, para o habitual posto de controlo. Fomos os primeiros a chegar. Não há jornalistas por perto. Surpreendentemente, um dos polícias kuweitianos que já me conhece pergunta:
- De certeza que vocês têm a tal autorização do major americano?
- Absoluta!
- Não me estás a mentir?
- Juro por Alá.
- Mas tu és cristão ou muçulmano?
- Sou cristão, mas o Deus é o mesmo, não é?
- Ok. Basta de conversa. Arranca antes que cheguem outros colegas teus. Mas atenção: duvido que vos deixem atravessar a fronteira lá em cima.
Corro para o jipe e grito para o repórter de imagem:
- Põe o carro a trabalhar, rápido!
O Vítor olha-me sem perceber o que se está a passar.
- Arranca! O tipo deixou-nos passar. Vamos antes que mudem de ideias.