Segunda-feira, 31 de Março de 2008

"Go! Go! Go!"

.

Estava à espera de mais impedimentos. Mas não, pedem-nos apenas que não filmemos soldados americanos feridos ou mortos e dentro dos strikers, os carros de combate avançado onde nos levam. Aceito. São as condições para nos levarem embedded para a linha de frente.
 
Entramos num dos strikers e McMillan, o socorrista, pergunta-nos de imediato: “Se entrarmos em combate, vocês vão lá para fora ou preferem ficar cá dentro?” Responde-lhe que iremos para onde eles forem; que estamos ali para filmar tudo o que acontecer. Ele sorri e volta a perguntar: “E se ficarem feridos posso dar-vos morfina, ou são alérgicos?” Vejo que estão preparados para tudo. Quando pedi ao centro de imprensa americano na green zone para nos darem acesso a uma das operações em curso, nunca imaginei que o estava a fazer na altura certa e que acabaríamos no local exacto. Na noite anterior, diversos jornalistas internacionais haviam sido enviados para outros pontos do Iraque. Nós, por dispormos apenas de cinco dias, pedimos que a missão fosse fora de Bagdade mas que nos possibilitasse voltar a tempo do voo marcado para a Jordânia. Agora, ali estávamos. Onde qualquer repórter de guerra gostaria de estar.
 
O início da operação não correu bem. Um dos strikers foi atacado pelos soldados iraquianos, o chamado friendlyfire. Assim, alguns dos carros de combate ficam para trás e os soldados seguem a pé. Começo a perceber o porquê de tanta insistência para não filmarmos dentro dos strikers. O carro de combate tem muitos equipamentos electrónicos e todos eles selados com a palavra “secret”. Não querem que o inimigo saiba as armas de que dispõem para os combater.
 
As duas primeiras missões decorrem sem mais incidentes. Os iraquianos estão um pouco mais à frente e apenas ouvimos os tiros resultantes dos embates e as explosões das granadas de morteiro vindas do outro lado. Numa das paragens sinto um helicóptero mesmo por cima de nós a disparar vários rockets sobre as posições das milícias. Aviação e artilharia americanas cobrem o avanço dos dois exércitos.
 
.
Duas horas para recuperar e novamente em marcha. Os strikers avançam já dentro de Sadr City e param a na linha da frente. As câmaras instaladas no exterior varrem toda a área à procura de posições do inimigo, até que uma detecta a presença de homens armados nos telhados de duas casas. A ordem é dada pelo sargento Morris: “Go! Go! Go!” E vamos também. Corremos com as nossas duas câmaras a gravar e protegidos pelos rangers até à posição do inimigo. Paramos junto ao muro, enquanto um dos soldados dispara sobre o portão até ele abrir. Faço um “vivo” (falo para a câmara do Paulo). Sinto o coração a bater. É um momento de grande tensão, pois ninguém sabe o que vai encontrar lá dentro. Um dos soldados faz sinal e avançamos todos em conjunto. Eles já estão preparados para estes comportamentos, eu fui aprendendo ao longo das guerras por onde passei. Não quero ser um factor de perigo adicional para estes homens.
 
A casa está ainda em construção. Os rangers “varrem” o rés-do-chão… e nada. Ordem para subir ao primeiro andar… e nada. Escadas acima até ao terraço e já não há ninguém. Descem de imediato à rua e fazem o mesmo na segunda casa. O Paulo filma de um ângulo e eu de outro. Afasto-me cinco metros e coloco-me de frente para o portão. Quero ter o plano aberto para dar a noção do espaço. Mais tiros sobre o portão, duas “patadas” até as portadas se abrirem de para em par, e novamente o coração a bater. Levo a câmara ligada para filmar todos os momentos. O Paulo faz o mesmo. Por momentos os soldados param à porta da casa para avaliar o risco de serem apanhados numa emboscada. Avançam em grupo e percorrem toda a habitação sem voltar a encontrar resistência. Subimos todos ao terraço e há maços de cigarros amarrotados e pontas apagadas num dos cantos. O sargento reporta para o comando: “Ocupamos o local de onde estavam a disparar!”. Os homens de Moqtada al-Sadr fugiram a tempo.
 .
 .
Amanhã coloco novo post com o que aconteceu a seguir.
Abraço a todos e obrigado pela força que nos têm dado!
Tem sido muito importante para nós, acreditem.
Luís Castro
 
Categorias: ,
publicado por Luís Castro às 22:42
link do post
De cosmos a 31 de Março de 2008
Tal qual um videojogo. Uau!
Peço desculpa, mas esta coisa de "estamos na frente de comate" é um pouco "apalhaçada". Sobretudo quando sabemos que 90 % das vítimas dos conflitos armados são civis ...
Desses não rezam as crónicas, nem os videojogos!
Cosmos
De Luís Castro a 2 de Abril de 2008
Cosmos,
não se esqueça que as "estórias" tem vários ângulos.
E não podemos esquecer os principais protagonistas, ou então estaremos a ser parciais.
Como dizia um dos homens da propagando do Hitler: "tudo depende de quem conta a história e do ângulo da câmara".
Sabe que em 2003 fui dos únicos jornalistas do mundo (não mais de dez) que cobriram a guerra do lado do povo do exército mais fraco? As minhas imagens e reportagens foram distribuidas pela Eurovisão e pela agências de notícias, com passagens constantes na Euronews.
Eu nunca esqueço as "estórias" dos danos colaterais, dos que sofrem e não têm as grandes cadeias de televisão à sua procura.
Mas também lhe digo: não amputo a realidade, seja ela americana ou iraquiana!
Já aqui falámos das vítimas civis: cerca de 100 mil confirmados e um milhão de estimados.
Quanto aos videojogos, eles são baseados na realidade...
Abraço
LC
Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Perfil

Jornalista desde 1988
- 8 anos em Rádio:
Rádio Lajes (Açores)
Rádio Nova (Porto)
Rádio Renascença
RDP/Antena 1

- Colaborações em Rádio:
Voz da América
Voz da Alemanha
BBC Rádio
Rádio Caracol (Colômbia)
Diversas - Brasil e na Argentina

- Colaborações Imprensa:
Expresso
Agência Lusa
Revistas diversas
Artigos de Opinião

RTP:
Editor de Política, Economia e Internacional na RTP-Porto (2001/2002)
Coordenador do "Bom-Dia Portugal" (2002/2004)
Coordenador do "Telejornal" (2004/2008)
Editor Executivo de Informação (2008/2010)

Enviado especial:
20 guerras/situações de conflito

Outras:
Formador em cursos relacionados com jornalismo de guerra e com forças especiais
Protagonista do documentário "Em nome de Allah", da televisão Iraniana
ONG "Missão Infinita" - Presidente

Obras publicadas:
"Repórter de Guerra" - autor
"Por que Adoptámos Maddie" - autor
"Curtas Letragens" - co-autor
"Os Dias de Bagdade" - colaboração
"Sonhos Que o Vento Levou" - colaboração
"10 Anos de Microcrédito" - colaboração

Pesquisar blog

Arquivos

Abril 2016

Janeiro 2016

Outubro 2015

Junho 2015

Maio 2015

Fevereiro 2013

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Agosto 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Categorias

política

economia

angola 2008

iraque 2008

sexo

afeganistão 2010

mau feitio

televisão

eua

mundo

amigo iraquiano

futebol

curiosidades

telejornal

saúde

iraque

missão infinita

religião

repórter de guerra - iraque

euro2008

guiné

humor

repórter de guerra - cabinda

acidentes

criminalidade

jornalismo

polícia

segurança

solidariedade

rtp

sociedade

terrorismo

afeganistão

caso maddie

crianças talibés

desporto

diversos

férias

futuro

justiça

todas as tags

subscrever feeds