Falei com o nosso amigo Bassim.
Explodiu uma bomba a vinte metros da casa para onde foi morar.
Ele e a família estão bem.
Amanhã vai enviar-me um mail a contar o que aconteceu.
Publicá-lo-ei assim que chegue.
Entretanto continuo o relato de 2003.
Luís Castro
“Aqui dentro ainda se sente o cheiro das pessoas. E é quase impossível imaginar os horrores aqui passados, ao longo dos últimos anos, por quem não concordava com o regime de Saddam Hussein.” Assim começa uma das reportagens que mais me marcaram nesta guerra. É a visita às celas da prisão de Najaf. Começo atrás das grades, passando a mostrar os ficheiros elaborados pela polícia política do regime. A terceira parte da peça é a impressionante visita guiada feita por um dos soldados iraquianos que acabou de chegar. Raiz esteve aqui preso durante dois anos por tentativa de deserção. Após um minucioso plano de fuga que acabou bem sucedido, juntou-se à resistência no exterior. Hoje, voltou com a CIA e relata-me os horrores a que eram submetidos os presos, aqui dentro, até serem enforcados.
Desde que reentrámos no Iraque, as reportagens que vamos enviando para Lisboa são consideradas como exclusivos mundiais a meias entre a RTP e a France 2 e, como tal, difundidas para todo o mundo. A própria Euronews coloca no ar as nossas reportagens na íntegra.
Acabamos por ficar três dias em Najaf, já que há matéria com fartura para trabalhar
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Damos uma volta por Najaf e vamos parar a uma bairro onde várias habitações foram destruídas pela aviação americana. Chamam-nos para uma casa onde terão morrido cinquenta e sete pessoas e algumas ainda estão soterradas. Foi há poucas horas e é, claramente, um alvo errado. Numa rua mais à frente, percebo a “razão” de tudo isto: há muito material de guerra destruído. Os aviões da coligação bombardearam uma coluna do exército iraquiano sem se preocuparem com as casas que estavam à volta. Foi tudo a eito, tipo “bombardeamento em tapete”. Um médico conduz-nos ao principal hospital da cidade. Chegamos no momento em que um pai carrega, desesperado, uma criança nos braços. Tem as pernas queimadas, a pele dependurada e soluça porque já gastou todas as forças a chorar.
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*Retirado do livro "Repórter de Guerra"