Quarta-feira, 19 de Março de 2008

Regresso ao Iraque

** Luís Castro, da RTP, em serviço especial para a Agência LUSA ** 



    Bagdad, 18 Mar (Lusa) - "Bem-vindos a Bagdad. A Royal Jordanian deseja-vos uma boa estadia!" A voz meiga da Ersaa, a hospedeira, contrasta com aquilo que vamos encontrar lá fora: a cidade mais perigosa do mundo, cinco anos depois do início - a 20 de Março de 2003 - da intervenção militar no Iraque por parte de uma coligação liderada pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido.

    Desço do avião e começo a distribuir "salamalecuns" a toda a gente. Ao meu bom-dia em árabe, respondem-me de igual forma com um "alecumsalam", acompanhado de "o seu visa, por favor". O polícia de serviço na alfândega do aeroporto internacional de Bagdad percorre as folhas do meu passaporte, olha-me nos olhos e atira: "você gosta do Iraque!" Digo que sim, que é a sexta vez que venho ao país dele. À pergunta se não tenho receio, respondo-lhe que mente quem disser que não tem medo. Eu tenho uma ligeira vantagem: já sei ao que venho.

    Bassim, mais do que meu guia, já é um amigo. Desde os tempos da guerra que falamos ao telefone várias vezes por semana. Ainda no aeroporto põe-me a par do último atentado que fez dez mortos e quarenta feridos. Foi no centro de Bagdad, numa zona muito movimentada. Sangrento e horrendo, mais ainda porque atingiu quem nada tem a ver com esta guerra.

    Seguimos por Hila Street, uma das estradas mais perigosas do Iraque e, sempre que as colunas militares americanas se aproximam, Bassim encosta o carro à berma e deixa-as passar. "São muito nervosos", diz-me este sunita de quarenta e poucos anos que resmunga em árabe sempre que se cruza com os soldados da coligação. Vêm-me à memória as palavras com as quais ele se despediu de mim aquando da minha última passagem pelo Iraque: "espero um dia acordar e ver que o petróleo se transformou em água. Aí os americanos deixarão de caminhar sobre o ouro!"

    Entramos em Bagdad. É uma cidade cada vez mais escondida por muros de betão e arame farpado. Mesmo assim sinto-me mais seguro. Os recentes acordos entre sunitas e xiitas e a entrada de mais elementos do antigo partido Baas para o Ministério do Interior fizeram diminuir a violência sectária.

    Igualmente importante para a futura estabilização do Iraque foi a mudança de atitude dos sunitas em relação à Al-Qaeda. Antes ajudaram-nos, agora combatem-nos ferozmente. Chamam-lhe o "Despertar".

    Peço a Bassim que me explique melhor esta mudança de atitude. Fá-lo com a simplicidade e mestria que lhe conheço desde 2003: "Para os sunitas, os inimigos dos nossos inimigos, nossos amigos são!" Como assim? - insisto. "Eles não estavam a fazer bem ao nosso país. Assim, se a Al-Qaeda é inimiga da América, então os sunitas passaram a ser amigos dos americanos".

    Noto que apesar de rabujar quando os vê, Bassim já não é tão acintoso para com os ocupantes. Na verdade, os americanos perceberam que não conseguirão construir a paz sem os que fizeram parte do regime de Saddam Hussein.

    Lusa/Fim

publicado por Luís Castro às 05:33
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141 comentários:
De abilio a 19 de Março de 2008
grande blog!
abraço
abílio
De Luís Castro a 22 de Março de 2008
Amigo,
tu é o grande culpado!!!
Obrigado por me teres convencido.
Abração.
LC
De Afonso a 19 de Março de 2008
É realmente importante termos jornalistas como voçê para sabermos mais detalhes por trás das nuvens de poeira lançadas pelos média americanos e outros,mas é pena que não se ouçam homens como john pilger(jornalista www.johnpilger.com) e outros que tentam fazer lembrar factos muito incovenientes aos poderes ocidentais!
De Luís Castro a 19 de Março de 2008
Obrigado, Afonso.
É fantástico estar onde se faz história e poder testemunhar os factos. Passamos a ter outra noção da realidade, a tal que por vezes nos escondem. Abraço
LC
De links.pt a 19 de Março de 2008
links.pt :: linkspontopt.blogspot.com
Links de empresas portuguesas indexadas por actividade e palavras chave.
As suas sugestões podem ajudar a melhorar o conteúdo.

Obrigado
De Patti a 19 de Março de 2008
Impressionante......ouvir o "Iraque" assim, em primeira mão.

Fico à espera de mais sons do país.

Parabéns.
De Luís Castro a 19 de Março de 2008
Obrigado, Patti.
Podes ver o que foram estes últimos 5 anos, logo após o Telejornal.
LC
De Pedro a 19 de Março de 2008
Pelo amor de deus, sucesso inegavel... nao vai mais vinho para a mesa dele, deem-lhe agua sff :)
De Pedro a 19 de Março de 2008
Peço desculpa mas nao era bem acerca disto que queria comentar...
De Luís Castro a 19 de Março de 2008
Tudo bem.
Abraço, Pedro. Também não posso beber vinho por estes lados...
LC
De Pedro a 19 de Março de 2008
Caro Luis, queria-me referir a uma noticia do portal sapo, dizendo que bush considera que "os EUA têm tido um sucesso inegavel na guerra do iraque"... era acerca disso o meu comentario ;)

Quanto a reportagem de logo espero anciosamente por ela, mas deixo uma questao... ate que ponto e seguro viajar livremente pelo iraque como nos portugueses fazemos pelo nosso pais fora, pela europa toda (quase) fora?! Qual a probabilidade de entrar num carro (uma familia iraquina sozinha) e ir de bagdad ate a fronteira da turquia por exemplo em segurança, como eu aqui pegar no meu carro e viajar ate italia?! Talvez com o antigo regime nao seria assim... (mas condeno vivamente as politicas do sadam e seus "capangas").

Como diria a minha mae "deve ser um pais lindo... pena e a guerra".

Abraços
Pedro
Ovar

p.s.- um copinho (ou dois) a refeiçao e nem sabe o bem que fazia ;) hehe
De Luís Castro a 19 de Março de 2008
Pedro,
é, na realidade, um país lindíssimo. Em 2003 fiz do kuwait até Tikrit, terra de Saddam a Norte e fiquei apaixonado por este país. Agora seria uma loucura ainda maior. para nós, estrangeiros, seria suicída. Para os iraquianos, não tanto, mas já são 100 mil mortos confirmados desde o início da guerra.
Abraço
LC
De filipa a 19 de Março de 2008
O novo Vietnam.Em algum lado se têm que gastar as armas, as munições, as raivas, as contenções.
Alguém tem que tombar. Alguém tem que fazer tombar.
Não se consegue parar isto, infelizmente.
De Luís Castro a 19 de Março de 2008
Duas semanas desta guerra dariam para acabar com o analfabetismo em todo o mundo. Enfim...
LC
De paodoceu a 19 de Março de 2008

Aqui está a grande parvoíce do presidente dos U.S.A, claro que a guerra interessou e muito, a todas as empresas que estão ligadas ao fornecimento de material ao exercito, facturaram milhões e continuam a facturar milhões.
E tudo isto por uma causa, o petróleo, o povo americano anda a pagar impostos para alimentar os barões da C.I.A que estão por de trás de toda esta guerra.
Mas o mais incrível e macabro é o 11 de Setembro, que foi todo planeado pela C.I.A e levado a cabo pelo grupo terrorista montado e financiado, pela C.I.A, o povo americano quando descobrir a verdade, já vai tarde. A C.I.A é de uma prontidão que não deixa vestígios, organiza e cria simulações e inventa histórias, o 11 de Setembro foi muito bem manipulado tal como a morte do presidente Kennedy e o seu irmão, a limpeza foi feita com o mesmo golpe sujo, C.I.A, mas o povo americano ainda não viu que os maiores inimigos da América estão dentro do seu território os mafiosos os bandidos e os senhores da guerra, mas os americanos não viram a palhaçada das mentiras ditas nas nações unidas tudo para que ouve-se uma intervenção no Iraque. Mas o mais incrível é os governantes do mundo que se deixam enrolar pelo poder económico dos U.S.A, tão bom é o ladrão que rouba como o que fica a ver. E o senhor Duram Barroso pode agradecer os presidente americano do lugar que tem, porque foi através da influencia e trafico de influencia, que ele chegou ao lugar que exerce, é assim, os favores têm de se pagar. Mas o povo americano ainda não descodificou o significado das siglas C.I.A, “casa inicio armagedão.” A figura da maldade está dentro do seu território e encontra-se bem dissimulada. O povo da América, que não abra os olhos, que vai ver o trambolhão que vai levar. Até agora a figura da maldade e o seu plano, têm corrido e está a correr muito bem, mas a história da humanidade já demonstrou por factos reais que tudo tem um fim, e o mal não consegue levar de vencida o bem.
“muito mais vou revelar, mas a mensagem é apocalíptica e um pouco desagradável, ás vezes é melhor não escrever e não relatar, porque há pessoas com uma sensibilidade mais frágil. O conteúdo da mensagem e os mensageiros são fidedignos e de credibilidade indiscutível.”
De Luís Castro a 19 de Março de 2008
Paodoce,
o problema não é a América, é a sua política externa. E nós, que teimamos em exportar os nosso padrões políticos para realidades muito diferentes da nossa.
Abraço
LC
De O Advogado do Diabo a 19 de Março de 2008
Parece-me que, mais que a sua política externa, o problema está neste sistema de capitalismo selvagem que muitos países, incluindo Portugal, estão a adoptar o qual, sistematicamente, nos está a enganar, a iludir, a dividir e a subverter as nossas ideias.
Como compreender que trabalhadores estejam contra trabalhadores (veja-se o caso dos F Públicos, dos professores etc.)?
Afinal, o Sr. Bush não foi eleito pelo povo norte-americano?
Como podemos entender que todo o mundo esteja a adoptar os sistemas de gestão, económicos, informáticos, e até estilos de vida, bem norte-americanos, produtos do seu capitalismo e depois os criticamos tanto, mesmo depois de nós, os Europeus, numa demonstração de total incompetência técnica, diplomática e militar temos recorrer ao, então amigo americano, para resolver uma qualquer crise, seja na Europa (Balkãs) em África ou no médio oriente?
De JR a 19 de Março de 2008
Voce esta completamente errado. Voce pensa que sabe tudo mas afinal suas conversas sao de uma pessoa bem ignorante!
De Luís Castro a 19 de Março de 2008
Quem, eu?
LC
De JR a 19 de Março de 2008
Desculpe, Nao! O meu comentario era para o "paodoceu" nao o Sr. Luis Castro.
De miguel medeiros a 19 de Março de 2008
olha meu amigo os estados unidos som aquele que tudos falem mas o nosso pais que descrobri e que feiz mapas
e que vendou escravos nao feiz melhor
De avarela a 19 de Março de 2008
o senhor buche havia era de estar na cadeia a pagar pelos milhentos crimes que causou no Iraque .
se a inferno ele não pode escapar e ainda tem o desplante de fazer alarde da sua atitude .
isto e o cúmulo da pouca vergonha
De Luís Castro a 19 de Março de 2008
Avarela,
a História irá julgar tudo o que aqui aconteceu
LC
De Rui a 19 de Março de 2008
Bom avarela ele Buch deveria estar na cadeia e não só tal como ser ele a pagar os 200 milhôes que foram gastos em armamento fora o que não se sabe e no entanto quem paga esta factura toda somos nós, contudo aproveito também para dizer ao Luís Castro que fez um excelente trabalho mas não nos podemos esqueçer que arriscou bem o "coiro" dele mas enfim é a vida e só vai quem quer...

Parabéns Luís pois desempenhaste um bom trabalho.
De Luís Castro a 19 de Março de 2008
Obrigado, Rui.
É pela verdade que cá estou. Eu e todos os outos jornalistas que arriscam em cenário de guerra.
Abraço
LC
De jose a 19 de Março de 2008
A CERCA DA AFRIMAÇAO DO SR .PRESIDENTE... ESTA . É REALMENTE A MENTIRA DO ANO... SEM MAIS COMENTÁRIOS....
De Afonso Reis Cabral a 19 de Março de 2008
Depois de ler Repórter de Guerra, é com entusiasmo que descubro este blog. EXCELENTE jornalismo, o seu.
Espero visitar Cheiro a Pólvora todos os dias para assim seguir mais atentamente a actualidade bélica.
Coragem! Abraço!
De Luís Castro a 19 de Março de 2008
Obrigado, Afonso.
Abraço
LC
De Afonso Reis Cabral a 19 de Março de 2008
Eu é que agradeço!

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Perfil

Jornalista desde 1988
- 8 anos em Rádio:
Rádio Lajes (Açores)
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Rádio Renascença
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- Colaborações em Rádio:
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Diversas - Brasil e na Argentina

- Colaborações Imprensa:
Expresso
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RTP:
Editor de Política, Economia e Internacional na RTP-Porto (2001/2002)
Coordenador do "Bom-Dia Portugal" (2002/2004)
Coordenador do "Telejornal" (2004/2008)
Editor Executivo de Informação (2008/2010)

Enviado especial:
20 guerras/situações de conflito

Outras:
Formador em cursos relacionados com jornalismo de guerra e com forças especiais
Protagonista do documentário "Em nome de Allah", da televisão Iraniana
ONG "Missão Infinita" - Presidente

Obras publicadas:
"Repórter de Guerra" - autor
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