“War is a drug!” Assim começa o “Estado de Guerra”, recentemente premiado como o merlhor filme do ano.
A frase é do Chris Hedges, jornalista americano, correspondente de guerra, que já passou por mais de 50 países.
Há dois anos decidi mostrar a guerra como ela é no Iraque: nua, dura e crua. Foram trinta minutos de combates, tiroteios, explosões, mortos e feridos.
Desta vez decidi ir para a linha da frente da guerra do Afeganistão para lhe contar as histórias. E há tantas.
Cada soldado tem uma história, uma família, sonhos e planos de vida.
Na maioria não passam de jovens que mais não fazem do que tentar sobreviver.
Comecei a reportagem com o meu amigo McMillan, também ele um jovem americano de 22 anos que foi para o Iraque cheio de sonhos.
McMillan queria poupar 35 mil dólares para pagar o curso da mulher e ele poder acabar medicina que deixara a meio. Morreu numa explosão no dia em que completava 18 meses de casado. Pouco antes telefonara à mulher para lhe dizer que a amava.
Alguns admiraram-se por estarmos tão expostos.
Estando "embedded" na linha da frente não será fácil aos talibãs empreenderem uma acção para nos raptar, mas estamos muito mais expostos ao perigo de um ataque ou da explosão de bombas improvisadas. Se os americanos são o alvo e se nós estamos com eles, é fácil perceber que também passamos a ser considerados como inimigos.
Os americanos pediram-me para não me afastar deles durante as patrulhas de combate, mas se queremos ter bons ângulos de imagem, é inevitável que quebremos as regras. Sempre que o fizemos, fizemo-lo com a consciência dos riscos que corríamos.
Alguém perguntou porque não fizemos entrevistas a ex-insurgentes ou aos próprios combatentes talibãs. Simples: porque estávamos “embedded” com os americanos, ou seja, reportávamos apenas de um dos lados em conflito. Depois, é extremamente difícil estabelecer contactos com a resistência. É preciso estar lá muito tempo para que se possam criar relações de confiança. Recordo-me que no enclave angolano de Cabinda, passei quinze dias a olhar para um telefone satélite à espera de um telefonema dos guerrilheiros que se escondiam na floresta do Maiombe. No total estive mais de um mês sem emitir qualquer reportagem. Tudo isto custa muito dinheiro.
Porque também o perguntaram, a “Operação Afeganistão” custou pouco mais de 10 mil euros aos contribuintes. Barato, se compararmos com outras operações no Iraque, Angola, Zaire, Congo, Guiné, Venezuela, etc. Nessa verba estão incluídas: viagens (Lisboa-Frankfurt-Kabul-Kandahar e regresso), excesso de bagagem, residencial em Kabul, transportes e despesas diversas.
E porque há quem esteja convencido de que recebemos fortunas por ir para estes cenários de guerra, fiquem sabendo que não ganho nem mais um cêntimo. Pelo contrato especial que assino antes de partir, recebo apenas 100 euros por dia para pagar toda a alimentação e despesas pessoais, abdicando inclusive das folgas que ficam por gozar.
No total, a nossa deslocação foi de 19 dias, mas, na verdade, a reportagem que viram no “ar” foi fruto de apenas 4 dias de trabalho efectivo. Passámos 2 dias de viagem de e para o Afeganistão, 1 de espera em Kabul, 2 de e para Kandahar, 6 de deslocações em colunas militares dentro do Afeganistão e mais 4 em Kabul para editar a reportagem e esperar por uma entrevista com o general McCrystal. Digo isto porque alguns de vocês sentiram que passei pouco tempo com os portugueses. É verdade, só estivemos juntos um dia. Um dia para 9 minutos de material editado.
Antes de regressar a Lisboa, disse ao coronel Correia que me sentia frustrado por não poder mostrar mais do excelente trabalho que lá têm feito.
Peço ao tenente coronel Lemos Pires que não me leve a mal, mas vou transcrever uma parte da carta que enviou desde Kabul para alguns amigos e com o meu conhecimento:
«Já aqui escrevi no passado, há gente boa e menos boa em todas as áreas, em todas as profissões, mas o Luís é de facto um símbolo de excelência no jornalismo português. Não digo isto por o considerar também meu amigo, afirmo-o com convicção, pela admiração do seu trabalho, da obra produzida, pelos livros que editou, os riscos que correu, as verdades que ousou dizer, as boçalidades que nunca disse, a grande educação e respeito que demonstra por todos, em todos os momentos e fundamentalmente, pelas excelentes reportagens que realiza. Connosco foi de uma correcção enorme. Sabia o que queria mas nada impôs, nós nada lhe impusemos também.»
«Gostámos de os ter por cá. Sentimos orgulho por termos sido assim referidos, ainda mais por esta boa imagem de Portugal e das suas Forças Armadas. Graças a esta reportagem na “Linha da Frente”, os portugueses passaram a saber o que fazemos por cá em seu nome.»
Eu é que te agradeço, Nuno!
A ti e a todos os que aí conheci ou reencontrei.
Vocês são o nosso orgulho!
Luís Castro