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“Vocês são uns tipos sortudos. Já muitos outros jornalistas o tentaram e não conseguiram. Vieram no momento exacto para o local certo.” O tradutor iraquiano dos rangers americanos é o primeiro a explicar-me o que se está a passar. Sadr City tem sido palco de violentos confrontos e, desta vez, americanos e iraquianos decidiram avançar contra as milícias de Moqtada al-Sadr. Vejo-os a prepararem-se. Cerca de mil homens, carregando caixas de munições, de granadas, de comida, de água e sei lá que mais. Tudo aquilo de que a guerra necessita. E é muito! Observo esta máquina preparada para esmagar o bastião xiita e tento imaginar o que aí vem. Nós vamos estar lá. Seremos os únicos jornalistas de todo o mundo a poder assistir.
Fomos dados à companhia alfa do segundo pelotão dos rangers americanos. Percebo mais tarde porquê: são os que vão mais à frente. Para nós, melhor ainda, pois estaremos mais próximos dos combates. Sinto que o Paulo está em sintonia comigo, também lá quer estar quando acontecer. Carregamos duas mochilas, uma com roupa e outra com as duas câmaras e respectivas baterias, uma mala com o videofone, capacetes e coletes à prova de bala.
Sinto a ansiedade destes homens. Preparam-se para um combate do qual poderão não sair vivos. Troco algumas palavras de circunstância apenas para lhes ganhar a confiança. Há minutos, um dos sargentos torceu o nariz quando percebeu que também vamos. “Sempre que levamos jornalistas, eles tentam alvejar-nos”, diz-me, enquanto verifica a sua M-16. Dou-lhe uma palmada nas costas e prometo-lhe que, desta vez, vai ser diferente. Sorri.
Zero horas de Quinta-feira é dada ordem para avançar. À frente vai o exército iraquiano, logo atrás seguem as forças especiais americanas e nós. A batalha por Sadr City vai ser violenta.
Amanhã conto como foi.
Hoje vou dormir. Estou esgotado, mais magro, mas vivo.
E acabo de receber uma boa notícia: arranjaram-me uma cama. Uau! Que luxo.
Agora preciso de um banho!!!
Até amanhã.
Luís Castro
Cheguei há minutos da linha da frente.
Logo à noite publicarei a primeira parte do que vivemos durante a tomada de Sadr City.
Fomos os únicos jornalistas a testemunhar - do lado dos americanos - o que aconteceu no bastião xiita, pelo que as nossas imagens foram ontem distribuída pela RTP para todos as televisões do Mundo. O mesmo vai acontecer com a reportagems que está a ser emitida hoje.
Entretanto vou tentar responder aos comentários deixados durante os últimos dias.
Até já.
Luís Castro
Aqui fica a conclusão do que me aconteceu em 2003. Nessa altura fui preso e expulso da linha da frente pelo mesmo exército que hoje me levou para a guerra.
As voltas que a vida dá.
Luís Castro
Excertos do livro Repórter de Guerra, editado em Junho de 2007
Continuo engajado com os americanos.
Deixo-vos a segunda parte do relato iniciado no Post anterior e relativo ao que me aconteceu em 2003, quando fui preso a cem quilómetros de Bagdade.
Espero dar notícias frescas brevemente.
Luís Castro
Tal como prometido, cá vai a primeira parte.
Responderei a todos os comentários quando regressar.
Até breve
Luís Castro
“Como se amaciam os jornalistas” Iª parte
Excertos do livro Repórter de Guerra, editado em Junho de 2007
Samir, o recepcionista do Hotel Palestina, ficou preocupado quando soube que íamos para fora de Bagdade. Prometi-lhe que voltava. Nos próximos dias estaremos “embedded” com uma unidade de combate dos marines. Não sabemos onde, mas não deixa de ser curioso: há cinco anos, neste mesmo dia, eu e o meu repórter de imagem (Vítor Silva) éramos presos pelos americanos no deserto do Iraque. Nessa altura, atravessámos a fronteira do Kuweit e seguimos numa imensa coluna militar até à linha da frente. Era a “grande serpente” que Saddam prometia cortar às postas. Qualquer coisa como quinhentos quilómetros em contínuo, desde Kuwait city até próximo da cidade santa de Karbala.
O dia foi violento
Partiremos daqui a duas horas para algures no interior do Iraque. Isto se a tempestade de pó que está no ar não piorar. Durante os próximos três dias, sempre às dez da manhã, publicarei partes do relato que incluí no livro “Repórter de Guerra”, relembrando o que aconteceu há cinco anos, quando atravessei o deserto do Iraque até ser preso, agredido e humilhado por aqueles que se diziam “libertadores”.
Enquanto estiver “embedded” com os americanos, provavelmente não poderei actualizar o blog.
Vou voltar! Prometo. E com muito para contar...
Luís Castro
A rara beleza do que ainda resta faz-me imaginar o que foi roubado. Mais de quinze mil peças de arte e outros tesouros desapareceram depois da entrada das tropas americanas, em 2003. O caos abriu as portas aos ladrões e as fronteiras sem controlo permitiram que uma parte da História do Iraque se perdesse. É a memória da civilização Assíria que está
Loma, guia-me pelo meio de estátuas e outras peças embrulhadas em plásticos até uma sala deslumbrante. Peço-lhe que me explique o que significam todos aqueles painéis esculpidos em pedra. “Este é um touro com asas, do período Assírio. Data do ano setecentos e cinquenta antes de Cristo e estava no palácio do rei Sargon, da capital Khorsabad”. Este outro é do mesmo período e mostra uma caçada do rei Sargon II.”
A beleza e simpatia de Loma completam o meu espanto. Meu Deus, quantas pessoas dariam fortunas para poderem estar aqui, neste momento. Sou um privilegiado.
O que ficou no Museu de Bagdade, só não foi roubado porque era pesado demais. Mesmo assim, algumas peças já foram recuperadas e outras estão referenciadas como tendo ido para os Estados Unidos, para a Europa e para os países vizinhos. As autoridades internacionais tentam impedir a sua entrada no mercado negro e o ministro iraquiano da Cultura aproveita a nossa presença para me pedir que transmita ao Mundo uma mensagem: “É a nossa História. Devolvam o que nos roubaram!”
A calma era aparente e o dia de hoje veio mostrar que era apenas isso. O Domingo foi sangrento, com quarenta e sete mortos confirmados até ao momento. O último ataque foi há minutos, com duas granadas de morteiro lançadas na direcção da “Green Zone”. Uma caiu fora da área protegida e a cerca de trezentos metros de onde nos encontramos. O Paulo Oliveira, repórter de imagem da RTP, gravou o que aconteceu a seguir. Felizmente que caiu no meio do rio Tigre, numa das várias ilhotas existentes, acabando apenas por incendiar a vegetação. O nosso hotel está na linha de fogo, entre Sadr City e o enclave fortificado pelos americanos, e as imagens foram captadas a partir da janela do nosso quarto, no oitavo piso do Palestina.
Mas de manhã não foi assim. Quinze disparos, atribuídos aos homens de Moqtada al-Sadr, o exército de Mhedi, visaram a zona verde, acabando alguns por falhar o alvo e atingir zonas habitacionais. Do outro lado do rio, de imediato se ouviu uma voz pelos megafones mandando toda a gente recolher aos abrigos; do lado de cá, dirigimo-nos de imediato na direcção das explosões, mas o trânsito tornou-se caótico com várias estradas cortas e a polícia já não nos deixou aproximar do local. Soubemos mais tarde que tinham morrido dezoito pessoas. Mas podia ter sido muito mais sangrento o dia em Bagdade: um dos disparos caiu no mesmo local e à mesma hora onde ontem filmámos as famílias iraquianas brincando e fazendo piqueniques com os filhos (reportagem no Tejornal da RTP). Se tivesse sido hoje, o dia seria ainda mais horrível.
Outros acontecimentos em Bagdade:
* Homens armados chegaram em três carros e começaram a disparar indiscriminadamente sobre as pessoas que faziam compras numa avenida comercial. Sete pessoas morreram e dezassete ficaram feridas. Os atiradores conseguiram fugir.
*Um carro bomba explodiu num bairro xiita, matando cinco pessoas.
*Um míssil foi lançado contra uma casa num bairro xiita, provocando a morte de cinco pessoas e deixando outras oito gravemente feridas.