Desafiei o repórter de imagem que me acompanhou a escrever sobre a experiência que foi o Afeganistão.
Aqui fica o texto.
Será ele a responder aos vossos comentários.
Voltei a ter a oportunidade de regressar a um cenário de Guerra, desta vez o Afeganistão, uma realidade bem diferente daquela que encontrei no Iraque em 2008.
É a "reportagem" nos terrenos onde gosto trabalhar, apesar do perigo e de todos os condicionalismos existentes.
Quando cheguei ao sul do Afeganistão, em Kandahar, foi como se tivesse viajado no tempo num regresso à Pré-História. A Pobreza e as miseráveis condições com que os afegãos ali vivem, são impensáveis de existir neste séc XXI.
Casas construidas de terra. Luz, saneamento e água potável são....uma visão de um futuro distante. Um povo fechado, que muitas vezes parecia olhar para nós como se fossemos seres de um outro planeta.
Obama diz que esta é uma guerra justa.
As guerras não deviam existir, mas espero que esta possa dar aos afegãos a liberdade e a oportunidade de adquirir melhores condições de vida, abrindo-lhes igualmente as portas do conhecimento e do acesso à educação que anteriormente sempre lhes foi vedado pelo regime Talibã.
Que a vida de todos aqueles jovens soldados que tombaram neste conflito não tenha sido em vão. Pelo menos tenha a compensação de poder dar um futuro melhor a todas as crianças que por lá encontrámos. Foram delas os poucos sorrisos que conseguimos ver.
Esta foi a segunda vez em que estive "embedded" com o exército americano e mais uma vez ficou a admiração por todos aqueles jovens soldados e pelo trabalho que estão a desenvolver. Para eles uma abraço de agradecimento pela forma com que nos receberam naqueles dias.
Espero que possam voltar rapidamente para junto das familias e amigos.
Em Kabul, tive a oportunidade de confirmar o que já vem sendo hábito: o prestigio e a prestação do Exército Português. Foi com orgulho que ouvi dos Generais Afegãos.... que os Portugueses são os melhores....
O trabalho desenvolvido pelas forças Portuguesas em Kabul está a ser bastante apreciado por todos e é graças a esse trabalho que as condições de vida dos militares e de muitos habitantes da cidade melhoraram substancialmente.
Podemos não ser muitos, mas somos bons no que fazemos.
Para eles um abraço e que continuem a mostrar o valor dos Portugueses nestas missões.
Um abraço muito especial para o Major Luis Correia que está a chefiar o Hospital existente na Base Militar em Kabul.
Foi bom rever um colega de liceu, passados 25 anos.
Que tudo corra bem por aí e espero ver-te em breve por Coimbra.
Não posso terminar sem deixar um obrigado muito especial a todos aqueles que neste blogue foram deixando as suas mensagens durante a nossa estadia no Afeganistão.
Acreditem que sabia bem, ao abrir o computador, ler tudo aquilo que iam escrevendo.
A ti Castro, um abraço.
Foi bom poder voltar a trabalhar contigo.
Paulo Oliveira
Repórter Imagem
O Afeganistão é um cemitério de previsões falhadas.
A estratégia até agora foi um fracasso.
Com o general McCrystal
o objectivo passou a ser conquistar a paz e não ganhar a guerra.
E porquê?
Porque apesar de ser um dos países mais pobres e inóspitos do mundo,
é aqui que está o ponto geopolítico entre o Oriente e o Ocidente.
O que acontece no Afeganistão tem sempre influência directa ou indirecta no Ocidente.
Os Talibãs olham a modernidade como algo que é contra a religião, impondo uma visão medieval do Islão.
Eles dominam o palco e nunca irão para a mesa das negociações enquanto sentirem que estão a ganhar.
"Embedded" com as forças especiais americanas na linha da frente.
Numa aldeia referenciada como abrigo dos Talibãs.
Com crianças na mesma aldeia.
Pequena pausa na patrulha de combate.
Timur Shá, um afegão que gostou de ver os americanos. Diz ele...
Um soldado afegão que diz estar pronto para combater os Talibãs. Diz ele...
Num check-point da polícia militar a 20 Km de Kandahar.
No final da patrulha, o sargento Holmes propôs-me uma troca...
Luís Castro
Quando chegámos à "Task Force de Kandahar", fomos surpreendidos com o que acontecera no dia anterior:
um dos vários rockets lançado das montanhas pelos Talibãs caíra junto à tenda dos jornalistas. Por sorte não explodiu, caso contrário teriam morrido todos.
As marcas ficaram no contentor que está a menos de 10 metros da tenda.
Com o Claude, um simpático sargento canadiano que acompanha as forças armadas dos país há mais de 30 anos. Foi ele quem nos recebeu e ajudou antes de partirmos para a Linha da Frente do combate aos Talibãns.
Obrigado Claude!
A garrafa de vinho do Porto está à tua espera.
A tenda/redacção dos jornalista, em Kandahar.
É daqui que somos levados para as várias frentes.
Correspondente americano do New York Times.
O correspondente canadiano.
O correspondente italiano.
Mulheres... até na guerra!
(Estou a brincar!)
A minha secretária em Kandahar...
De partida para a equipa de combate da 4ª Divisão
(Paulo Oliveira - repórter de imagem)
Amanhã há mais.
Boa semana para todos.
Luís Castro
É o título da reportagem especial que irá para o ar no “Linha da Frente”.
Já está editada e terá mais de 30 minutos.
Brevemente anunciarei o dia em que irá ser exibida.
Quero partilhar convosco o email que recebi do tenente Casella. Um militar americano com quem passei a maior parte do tempo no vale de Arghandab, no Sul do Afeganistão.
We really appreciate the risks that members of the press to take to get the story of what is really happening on the ground out.
You are brave men and I applaud you for your service to humankind.
We are looking forward to viewing your reports. Please send us a link
when you get one.
You are always welcome here and we hope that you'll be able to visit
again before we redeploy out of the country.
Airborne!
Sincerely,
Sam H. Casella
1LT, IN USA
Delta Company/2nd Battalion/508th Parachute Infantry Regiment/4th
Brigade Combat Team/82nd Airborne Division
COP SARKARI BAGH
Kandahar, Afghanistan
Nos próximos posts irei publicar mais fotografias do que foi a nossa passagem pelo Afeganistão.
Luís Castro
“Tenho americanos, turcos e portugueses, mas se há alguém que tem feito algo pelo Afeganistão… são os portugueses. E também ajudam as famílias afegãs mais pobres.”
A declaração é do general Azimullah, o responsável pelos assuntos religiosos e culturais, e faz parte de uma entrevista que passará na reportagem especial que já estou a preparar.
Estamos no “TOC”, o Centro de Operações Táctico de Kabul. Nunca aqui entrou um jornalista, muito menos os generais se haviam deixado filmar durante estes momentos. É daqui que a Divisão responde aos ataques dos Talibãns.
Este centro foi montado por Portugal e poucas pessoas sabem que temos “mentores” portugueses a trabalhar com os generais afegãos.
A “nossa gente” tem feito um trabalho impressionante. Terão oportunidade de ver e ouvir os generais afegãos a falar dos portugueses e do muito que já aprenderam com eles.
E mais não digo. O resto fica para a reportagem do “Linha de Frente”.
Nota:
Já regressei a Portugal.
Correu bem a minha 20ª ida a cenários de guerra ou de conflito durante os últimos 13 anos.
Obrigado por toda a força que me deram!!!
Trago mais posts e fotografias do que foram estas semanas no Afeganistão
e que irei publicar nos próximos dias.
Luís Castro
- Não sou!
- És, és!
Não adianta. Pronto, sou um pasthune!
No Afeganistão,
no aeroporto de Kabul acharam que eu era afegão e falaram comigo em dari; depois, já na cidade, começaram a falar comigo em turco; agora, é um líder tribal de Kandahar que está convencido que sou da etnia dele e quer falar em pasthune.
Mas não é só aqui. No Iraque dizem que sou iraquiano ou libanês; que nada me pareço com os europeus, o que é bom. Assim, passo despercebido até o momento que mostro a câmara e o microfone. Também na Jordânia e no Kuwait passo por um local. Corre-me sangue árabe nas veias, muito provavelmente.
Durante toda a conversa com os americanos, no deserto do sul do Afeganistão, o líder pasthune não tirou os olhos de nós. Percebeu que não éramos soldados e muito menos americanos. No final da reunião, o afegão fez questão de saber de onde somos. “Ah, Por-tu-cale!”, soletra com um sorriso nos lábios.
Cumprimento-o com as duas mãos e de seguida bato com a direita no peito. É um sinal de respeito. Pergunto ao tradutor se acredita que este líder pasthune não ajuda os talibãns:
- Claro que ajuda. Ele e os outros.
- Como sabes?
- Ainda há dois dias atacaram os polícias militares afegãos.
- Mas isso não prova nada.
- Prova! Os tiros vieram da aldeia dele.
Comprovo isso nos dias seguintes. Por aqui são todos pasthunes e, como tal, fortes apoiantes da causa Talibã.
Luís Castro
São 7h30 da manhã. O silêncio no vale de Arghandab é interrompido pela viola de um americano. Pergunto-lhe se está a descontrair antes da patrulha de combate.
“É! É uma forma de relaxar e de manter a cabeça limpa”, responde-me o sargento Gloyer.
Gloyer tem 26 anos, é da Pensilvânia, não tem filhos, “só dois cães”, diz-me com um largo sorriso, tão largo como este vale, onde os soviéticos nunca conseguiram vencer os mujhaedines. Também por isso os americanos levam tudo ao mais pequeno pormenor. Nós também.
É o mesmo Gloyer quem vai comandar a patrulha de combate.
Ele pede aos soldados e a nós que estejamos muito atentos a tudo e a todos.
Já me tinham avisado que ia ser “durinha” fisicamente.
Saltamos muros, atravessamos campos lavrados, paramos, escutamos, mas não há sinal dos insurgentes, apenas de um agricultor que recolhe lenha e quase nos ignora. Os soldados americanos e afegãos observam-no à distância e seguem-lhes todos os movimentos. Este é inofensivo, pelo menos agora.
“Foda-se! Vê onde pões a merda dos pés!” A tradução é soft. Saíram mais palavrões da boca do sargento Gloyer quando um dos paraquedistas quase pisava uma granada de artilharia. Está abandonada e em muito mau estado. Via rádio, é chamada uma equipa especialista em explosivos.
Os soldados procuram mais objectos considerados suspeitos e assinalam-nos. É alargado o perímetro de segurança e Gloyer pede a um dos soldados que mande parar quem se aparecer naquele caminho. “Não quero ficar em picadinho!”, remata o sargento. Registo o momento com a micro câmara.
O primeiro afegão que aparece, ao ver um soldado americano aproximar-se, imediatamente levanta os braços para ser revistado. Chegam mais e a situação torna-se descontraída, tão descontraída que Tuaer, um dos soldados afegãos tenta demonstrar que é mais forte do que nós. Faz braço-de-ferro com o sargento e desafia-me a levantar a perna até à mão dele.
Tuaer pede-me água e cigarros, dá-me nozes e uma promessa:
“Vou-te proteger enquanto estiveres no Afeganistão!”
Não sei se isso é bom ou se é mau.
Luís Castro
A pergunta não podia ser mais directa. O capitão quer saber que histórias procuro. O tenente já me tinha sondado: “O que pensas desta guerra?”
No QG da 82ª Airborn Division, os americanos já me tinham feito um briefing explicando que operações decorrem em Kandahar e no resto da província. Agora, já no vale de Arghandab, dizem-me que do outro lado do rio está uma tribo que pertence a Mullah Omar onde se abrigam muitos talibãns e de onde vêm muitos problemas. Dão-nos metade de uma tenda… com ar condicionado. Na noite anterior, numa outra posição, praticamente não dormi com o frio que faz durante a noite. Meti-me dentro do saco cama com o blusão e botas calçadas, mas nem assim.
Seguimos na primeira patrulha de combate desde que aqui chegámos. Lidera um tenente muito jovem, terá vinte e poucos anos. Buittel, de ascendência alemã, pede aos soldados que estejam muito atentos porque vamos entrar numa aldeia com passagens muito apertadas.
Num primeiro checkpoint, os soldados afegãos confirmam que os talibãns aterrorizam as populações e que os tentam convencer a lutar contra os estrangeiros. Seguimos pela estrada com dois helicópteros a acompanhar a patrulha e tudo o que se passa à nossa volta.
Enquanto o tenente Buitel reúne com o chefe da aldeia, os soldados ficam cá fora. As crianças pedem tudo aos americanos: esferográficas, óculos, capacete, colete, botas, joelheiras e até as M-16. O médico paraquedista trata uma ferida na cabeça de uma criança. Ela agradece com um gesto batendo na mão do americano.
O chefe quer um gerador para a aldeia, Os americanos registaram o pedido.
Voltamos à unidade e… surpresa: há água quente!
Já não tomávamos banho há três dias.
Luís Castro
Paulo Oliveira
Foi há 12 anos.
Inês,
contaste-me há quinze dias o quanto te incomodam as tragédias, mas que gostarias de ir lá, ver como é. Sei tão bem o que sentes. Eu também sou assim, preciso de ir lá; ver… cheirar e tocar… para poder contar. Preciso de me misturar com eles para os poder perceber. É o que estou a fazer no Afeganistão.
Hoje, vou passar mais uma dia no vale de de Argandhab, no Sul do Afeganistão.
Por aqui pouco mais há do que pessoas e pedras. Mas há pessoas.
E muitas crianças como tu que não têm escola porque os talibãns não deixam,
Meninas com um casamento imposto e uma burka para o resto da vida.
Mulheres que não são tratadas porque os talibãns não o permitem que os homens as vejam.
Este mundo é muito diferente do nosso.
É preciso estar aqui para perceber as palavras de Barack Obama quando disse que esta é uma “guerra justa”. É!
Como te disse, por aqui também há pessoas. E são essas pessoas que merecem todo o nosso sacrifício. O meu e o de milhares de soldados de mais de 40 países que aqui vieram lutar. Todos sabemos que há sempre interesses escondidos, mas também é verdade que dificilmente haverá no mundo um país civilizacionalmente tão atrasado como o Afeganistão.
Ontem atravessámos aldeias. Os mais velhos afastavam-se quando viam os americanos, as mulheres corriam a fechar-se em casa e só as crianças, na sua inocência, se aproximavam pedindo “kalam, kalam!”, esferográficas.
Inês,
neste dia tão especial,
mais uma vez não estarei presente.
Mais uma vez te peço desculpa!
Em Dari, língua oficial afegã:
Saalgira tan mobarak bashad, Inês!
Ou em Pasthune:
Da seghedelai call le manzena, Inês!
Parabéns Inês!
Tirei esta fotografia com a Malalai, uma menina afegã do vale de Arghandab, para te mandar.
Espero que gostes.
Um beijinho muito grande.
Luís Castro
Os americanos dizem que esta é uma área de risco muito elevado por que os Talibãns têm andado bastante activos por aqui. Fica 20 km a Norte de Kandahar.
Disse-lhes que queria ir para as patrulhas de combate. Concordaram e enviaram-nos para a Companhia Delta do 2º Batalhão da 508. Por aqui há paraquedistas e rangers em patrulha constante. A 4ª Brigada de Combate já perdeu vários homens, especialmente pela explosão de engenhos improvisados e escondidos no chão, os chamados “IEDs”.
Chegámos quando o capitão Lambert está de partida. Ele vai de férias duas semanas para a Carolina do Norte, onde o esperam a mulher e os dois filhos que não vê há seis meses. Tem 31 anos e comanda 3 pelotões, mais de 60 homens. Já fizemos uma reportagem com ele.
Não vamos emitir estes trabalhos nos próximos dias porque não temos capacidade de envio. Por aqui não há sinal de satélite, quanto mais de internet. Estamos mesmo no meio do vale e para colocar estes posts e responder aos vossos comentários tenho de recorrer a uma ajuda que não posso especificar.
Amanhã vamos sair com uma das patrulhas de combate.
Hoje estivemos a colocar as câmaras nos “Cougar”.
Até breve.
Luís Castro
Paulo Oliveira
Nota:
Li todos os vossos comentários.
A todos, agradeço do fundo do coração!
Em alguns foi preciso morder os lábios para não verter uma lagrimazita.
Nestas situações ficamos um bocadinho mais piegas…
Vou fazer uma noitada para tentar responder aos vossos comentários.
Aqui são 4h30 mais do que em Portugal.
Muito obrigado a todos, mais uma vez!