Dez anos depois o mesmo BMP ainda lá está…
– António, o que te aconteceu à perna? –
– Foi na guerra… um estilhaço…
– O que fazias na guerra?
– Era soldado das Forças Armadas da UNITA.
– Não me digas… e em 1999, quando as FAA tentaram chegar ao Andulo, onde estavas?
– Estava a combater na linha de frente.
– Sabes, António, eu estava do outro lado…
– Ehhh! Você?!
O António tem agora trinta e quatro anos e é recepcionista no único hotel que há no Kuito. Relembra o dia em que um pedaço de metal lhe trespassou a perna e tantos outros que passou debaixo de fogo. Era alferes da UNITA. E ali ficámos, os dois, sob o olhar curioso do Sérgio, a recordar o que foram aqueles combates que nós vivemos de lados opostos na linha da frente.
Na altura, se ele me tivesse apanhado, por certo que me mataria. Agora tem olhar e trato dóceis. Depois de lhe tirar a fotografia, a medo, pergunta:
– Não será perigoso para mim que o senhor mostre esse retrato?
– Não, António! Tu és um bom exemplo da reconciliação do país!
Despeço-me deste meu “antigo inimigo” com uma promessa:
– Vou voltar e vamos os dois percorrer aquelas chanas e aquelas matas, está combinado?
– O senhor promete?
– António, meu "xará" (eu também sou António), promessas são dívidas!
Despedimo-nos com mais um abraço e de lágrimas nos olhos.
As crianças já não têm kalashnikovs nas mãos.
Estação do Kuito.
Aqui travaram-se alguns dos combates mais violentos da guerra em Angola.
Nestas matas morreram milhares de soldados.
A ligação entre o Kuito e o Andulo está igual ou pior do que há dez anos.
Muitas pontes já foram recuperadas.
Centro do Município do Andulo.
Luís Castro no Planalto Central