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Estava à espera de mais impedimentos. Mas não, pedem-nos apenas que não filmemos soldados americanos feridos ou mortos e dentro dos strikers, os carros de combate avançado onde nos levam. Aceito. São as condições para nos levarem embedded para a linha de frente.
Entramos num dos strikers e McMillan, o socorrista, pergunta-nos de imediato: “Se entrarmos em combate, vocês vão lá para fora ou preferem ficar cá dentro?” Responde-lhe que iremos para onde eles forem; que estamos ali para filmar tudo o que acontecer. Ele sorri e volta a perguntar: “E se ficarem feridos posso dar-vos morfina, ou são alérgicos?” Vejo que estão preparados para tudo. Quando pedi ao centro de imprensa americano na green zone para nos darem acesso a uma das operações em curso, nunca imaginei que o estava a fazer na altura certa e que acabaríamos no local exacto. Na noite anterior, diversos jornalistas internacionais haviam sido enviados para outros pontos do Iraque. Nós, por dispormos apenas de cinco dias, pedimos que a missão fosse fora de Bagdade mas que nos possibilitasse voltar a tempo do voo marcado para a Jordânia. Agora, ali estávamos. Onde qualquer repórter de guerra gostaria de estar.
O início da operação não correu bem. Um dos strikers foi atacado pelos soldados iraquianos, o chamado friendlyfire. Assim, alguns dos carros de combate ficam para trás e os soldados seguem a pé. Começo a perceber o porquê de tanta insistência para não filmarmos dentro dos strikers. O carro de combate tem muitos equipamentos electrónicos e todos eles selados com a palavra “secret”. Não querem que o inimigo saiba as armas de que dispõem para os combater.
As duas primeiras missões decorrem sem mais incidentes. Os iraquianos estão um pouco mais à frente e apenas ouvimos os tiros resultantes dos embates e as explosões das granadas de morteiro vindas do outro lado. Numa das paragens sinto um helicóptero mesmo por cima de nós a disparar vários rockets sobre as posições das milícias. Aviação e artilharia americanas cobrem o avanço dos dois exércitos.
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Duas horas para recuperar e novamente em marcha. Os strikers avançam já dentro de Sadr City e param a na linha da frente. As câmaras instaladas no exterior varrem toda a área à procura de posições do inimigo, até que uma detecta a presença de homens armados nos telhados de duas casas. A ordem é dada pelo sargento Morris: “Go! Go! Go!” E vamos também. Corremos com as nossas duas câmaras a gravar e protegidos pelos rangers até à posição do inimigo. Paramos junto ao muro, enquanto um dos soldados dispara sobre o portão até ele abrir. Faço um “vivo” (falo para a câmara do Paulo). Sinto o coração a bater. É um momento de grande tensão, pois ninguém sabe o que vai encontrar lá dentro. Um dos soldados faz sinal e avançamos todos em conjunto. Eles já estão preparados para estes comportamentos, eu fui aprendendo ao longo das guerras por onde passei. Não quero ser um factor de perigo adicional para estes homens.
A casa está ainda em construção. Os rangers “varrem” o rés-do-chão… e nada. Ordem para subir ao primeiro andar… e nada. Escadas acima até ao terraço e já não há ninguém. Descem de imediato à rua e fazem o mesmo na segunda casa. O Paulo filma de um ângulo e eu de outro. Afasto-me cinco metros e coloco-me de frente para o portão. Quero ter o plano aberto para dar a noção do espaço. Mais tiros sobre o portão, duas “patadas” até as portadas se abrirem de para em par, e novamente o coração a bater. Levo a câmara ligada para filmar todos os momentos. O Paulo faz o mesmo. Por momentos os soldados param à porta da casa para avaliar o risco de serem apanhados numa emboscada. Avançam em grupo e percorrem toda a habitação sem voltar a encontrar resistência. Subimos todos ao terraço e há maços de cigarros amarrotados e pontas apagadas num dos cantos. O sargento reporta para o comando: “Ocupamos o local de onde estavam a disparar!”. Os homens de Moqtada al-Sadr fugiram a tempo.
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Amanhã coloco novo post com o que aconteceu a seguir.
Abraço a todos e obrigado pela força que nos têm dado!
Tem sido muito importante para nós, acreditem.
Luís Castro
Mais uma missão que terminou sem baixas.
Ao ler o teu post tb o meu coração bate e arrepia-me certas passagens que relatas.
Até amanhã e uma noite descansada
Grilinha,
e volt]amos vivos.
Vou dormir.
LC
(teclado arabe, por isso desculpem os erros)
Bem, Luís, grande relato! Deve ter sido de uma enorme adrenalina!
Mortinha por saber o que acontece a seguir!
Beijo
Mona,
ainda esta madrugada colocarei novo post
bjs
LC
De
J.C. a 31 de Março de 2008
a sério que sinto inveja ... sei que a situação é perigosa e tudo mais, da proxima vez convidem um fotografo amador, pode ser que dê um documentário giro ;)
continuação de bom trabalho
jmack
jmack,
pelo que tens escrito, acredito que irias ter uma experiência fantástica.
Abraço
LC
De
J.C. a 2 de Abril de 2008
não tenho dúvidas disso ...
quem sabe um dia ...
jmack
jmack,
acredita que pode acontecer!
Talvez um dia.
Nessa altura avisa quem és...Abraço
LC
De
Patti a 31 de Março de 2008
Olá Luís,
Com estes relatos tão autênticos, este post mais parece um argumento para um filme de Hollywood, só que os heróis, desta vez não são nem o Bruce Willis nem o Clooney, mas sim os nossos portugueses Luís Castro e Paulo Oliveira.
Isto foi só para aligeirar este "go, go, go" todo.
Bom regresso.
patti,
obrigado pelos teus constantes comentários.
É bom saber que és visitante assidua.
Bjs
LC
De cosmos a 31 de Março de 2008
Tal qual um videojogo. Uau!
Peço desculpa, mas esta coisa de "estamos na frente de comate" é um pouco "apalhaçada". Sobretudo quando sabemos que 90 % das vítimas dos conflitos armados são civis ...
Desses não rezam as crónicas, nem os videojogos!
Cosmos
Cosmos,
não se esqueça que as "estórias" tem vários ângulos.
E não podemos esquecer os principais protagonistas, ou então estaremos a ser parciais.
Como dizia um dos homens da propagando do Hitler: "tudo depende de quem conta a história e do ângulo da câmara".
Sabe que em 2003 fui dos únicos jornalistas do mundo (não mais de dez) que cobriram a guerra do lado do povo do exército mais fraco? As minhas imagens e reportagens foram distribuidas pela Eurovisão e pela agências de notícias, com passagens constantes na Euronews.
Eu nunca esqueço as "estórias" dos danos colaterais, dos que sofrem e não têm as grandes cadeias de televisão à sua procura.
Mas também lhe digo: não amputo a realidade, seja ela americana ou iraquiana!
Já aqui falámos das vítimas civis: cerca de 100 mil confirmados e um milhão de estimados.
Quanto aos videojogos, eles são baseados na realidade...
Abraço
LC
Olá Luís,
É com grande emoção que vou lendo todos estes relatos das passagens e emoções que vai tendo aí no Iraque. Parece que estamos a visualizar tudo o que nos transmite via net/blog.
Continue com muita força, coragem e que tudo corra bem.
Já agora, em relação à alimentação? Como tem corrido?
Abraço, Filipe
E Cuidadinho...
Filipelobo,
os americanos iam bem abastecidos...
Partilharam connosco o que levaram, mas não dava para grandes paragens. Era dento do striker, em andamento, ou quando paravam para repousar um pouco.
Mas eu tenho uma pequena "mania": primeiro o trabalho e só depois de saber que está garantido é que penso em comer.
Abraço
LC
É como ler um livro...
Ler este blog é como ler um livro, mas saber que é real e que está a acontecer quase ao mesmo tempo em que o lemos.
E tememos a cada dia que passe e o post nao chega... e sorrimos a cada olá teu, porque sabemos que continuas bem.
E eu que acabei agora a licenciatura em Audiovisual e Multimedia e me inicio no mundo do Audiovisual e Broadcast... ouvir estes relatos fazem-me sentir que tb um dia quero poder ter a experiencia de captar imagens nestes cenários!
Obrigado pela partilha luís!
João,
talvez um dia nos escontremos por aí.
Espero que tenhas muita sorte nesta nova fase da tua vida.
Abraço
LC
De pedro oliveira a 1 de Abril de 2008
Esta intervenção no Iraque que leva 5 anos parece não ter fim! dos relatos que aqui leio, vejo que são só americanos que assumem esta tomada de força contra as milicias.É assim mesmo? onde estão as forças armadas Iraquianas, outros aliados? parece-me tudo muito estranho e esquisito. Gostava de perceber o que se passa mesmo no Iraque.Há ou não forças armadas Iraquianas?Qual é o objectivo destas acções(objectivo politico)?
Dou os parabéns ao Luís e ao Paulo, mas para mim as minhas preocupações com o futuro do país que está no território do inicio da civilização, vai para além desta máquina de trazer a guerra em directo.
É possivel a um jornalista,aí, perceber o que vai e está para além dos tiros?
um abraço de Porto de Mós (vilaforte)
pedro oliveira
Pedro,
em mais esta ida ao Iraque elaborei reportagens em todos ângulos: povo, como vivem as famílias iraquianas, segurança, polícia, exército iraquiano, americanos, políticos, PM do Iraque, sunitas, xiitas, Museu de Bagdade e linha da frente.
Tenteia dar uma visão ampla do que se passa. Este blog foi um complemento.
Quanto ao futuro... o Iraque não tem solução. Agora há que minimizar os estragos e não desistir daquilo que parece impossível: um entendimento político entre xiitas e sunitas.
A operação militar teve um objectivo político: derrotar Moqtada al-Sadr e as sua milicias conhecidas pelo "exército de Mehdi", dando poder aos políticos e não a quem tem armas. O clérigo radical xiita, apoiado pelo Irão, vinha a perder peso político e tentou recupera-lo pela via das armas. Consegui.
Com 60 mil homens consegui por o Iraque a ferro e fogo.
espero ter respondido às dúvidas.
Abraço
LC
De pedro oliveira a 2 de Abril de 2008
Obrigado pelas respostas,Luís!
Assim ficamos todos mais por "dentro" dos meandros desta guerra sem fim.
bem aja
um abraço de Porto de Mós(vilaforte)
De nada, Pedro.
Sempre às ordens.
De resto, também foi para isto mesmo que criei este blog.
Abraço
LC
“GO! GO! GO!”
É mesmo a palavra de ordem, mas essa adrenalina deve andar nos níveis máximos.
Deve ser minimamente assustador saber, que a morte está bem aí ao vosso lado.
Quando escolheste ser jornalista, sonhaste alguma vez viver o que estás a viver?
Eu sou estudante de jornalismo e tudo o que contas, por um lado deixa-me muito medo pelo que possa acontecer a vocês bem como a todos os colegas de profissão que por aí andam. Mas por outro, acho que é nos teus relatos, que vão para além das reportagens na TV, que cresce um vício dentro de nós. Uma curiosidade inexplicável, para ler e saber tudo o que tens para nos dizer. Acredito que é aí, onde a notícia acontece que qualquer jornalista pode realizar os seus anseios profissionais.
Estão a fazer um trabalho admirável. Parabéns para ti, Luís e para o Paulo
Ficamos à espera do próximo post.
Alexandra,
sempre foi o meu desejo: ser repórter de guerra.
Estar onde se faz História e ser testemunha activa desses mesmos acontecimentos.
Mente quem disser que não tem medo, mas quando estás lá, esqueces e só queres captar tudo o que está a acontecer para poderes contar.
No entanto, para o poderes contar é preciso voltar viva...
Bjs
LC
Olá Luís
Vejo que regressaram à "base" são e salvos. Ainda bem.
Tenho acompanhado este blogue desde que foi divulgado na página inicial do Sapo. Também era sonho meu um dia conseguir chegar ao patamar de Reporter de Guerra, mas neste caso, de reporter fotográfico.
Ainda à pouco, fiz a encomenda do seu livro, pois fiquei tão curioso com os excertos que tem colocado aqui que tive que encomendar.
Bem, espero que dê noticias e que tenha cuidado por aí (todo o cuidado é pouco) e que possa indo colocando mais post's aqui no Blog.
Um abraço directamente dos Açores (ilha do Faial),
Marco Nascimento
Marco,
repórteres fotográficos ou de imagem são os que nos dixam as "provas" da História. Vai em frente.
Espero que gostes do livro.
Abraço para ti e para os Açores.
Sabes que o jornalismo, para mim, começou aí nos Açores? Foi na Rádio Lajes.
LC
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