«Não sei se lhe salvei a vida. Talvez. Mas não é o mais importante.
Dele pouco sei, apenas que se chama António e que não é de Lisboa.
O acidente aconteceu à minha frente, pelo que fui o primeiro a sair do carro e a prestar os primeiros socorros. Quem ia parando no IC 2 tinha dificuldade em se aproximar. É das imagens que nunca mais esquecemos: alguém com a garganta aberta e a jorrar sangue.
Ao fim de 19 guerras, aquele momento não me impressionou. Encher as mãos de sangue para lhe estancar a hemorragia foi um impulso natural. Enquanto esperava pela chegada da ambulância, agarrei-o nos meus braços e temi perdê-lo antes da chegada do INEM. Dei por mim a reviver uma situação semelhante há dez anos, em Angola, durante os combates no planalto central. A sirene trouxe-me de volta.
Quando o António foi levado para o Hospital S. José, entrei no meu carro a pensar nas pessoas à minha volta que deviam passar por um momento destes. Sentir o que é estar na fronteira entre a vida e a morte.
Talvez se apercebessem de como são frágeis as suas vidas.
Talvez percebessem como está errado o ranking das suas prioridades.
Talvez perdessem muita da sua arrogância.»
«NÃO SOU HERÓI
Ontem fui visitar o António ao S. José.
Só me reconheceu pela voz. Recorda-se de me ouvir falar, mas não guarda imagens do momento. Estava em estado de choque.
Foi operado e saiu dos cuidados intensivos. Não fala, mas há-de recuperar a voz. Reconstituíram as vias danificadas e nos próximos tempos o organismo terá de regenerar, só então lhe retiram o tubo. Ficará internado mais dez a quinze dias.
Durante os trinta minutos que estive com ele, o António fez um desenho dos cortes que tinha no pescoço. Arrepiou-se enquanto riscava no papel.
Felizmente não guardará a imagem de como estava quando cheguei ao pé dele.»
«A SEGUNDA VIDA DO ANTÓNIO
Recordam-se do condutor que socorri após um acidente no IC2,
no final do ano passado?
Pois bem, fui convidado a ir à Guarda pela família Amaro.
Quiseram recordar o que aconteceu naquela tarde de 30 de Novembro.»
Ver textos e comentários em:
http://cheiroapolvora.blogs.sapo.pt/tag/entre+a+vida+e+a+morte
http://cheiroapolvora.blogs.sapo.pt/tag/n%C3%A3o+sou+her%C3%B3i
http://cheiroapolvora.blogs.sapo.pt/118652.html
http://cheiroapolvora.blogs.sapo.pt/106770.html
Luís Castro
Recordam-se do condutor que socorri após um acidente no IC2,
no final do ano passado?
Pois bem, fui convidado a ir à Guarda pela família Amaro.
Quiseram recordar o que aconteceu naquela tarde de 30 de Novembro.
O António fez 60 anos, ou como disse a sobrinha:
"Este foi o primeiro aniversário da sua segunda vida".
Pedi ao António que aproveite bem esta segunda oportunidade que a vida lhe deu.
Conhecer a história do acidente do António Amaro em:
http://cheiroapolvora.blogs.sapo.pt/tag/entre+a+vida+e+a+morte
http://cheiroapolvora.blogs.sapo.pt/tag/n%C3%A3o+sou+her%C3%B3i
Luís Castro
Não, não sou.
Apenas alguém que ia a passar nesse momento e que mais não fez do que a sua obrigação: tentar salvar uma vida.
Heróis são os médicos, os bombeiros e os polícias. Esses sim.
Eles são os nossos “cuidadores”.
Quanto muito, um bom samaritano.
E aquilo que o director adjunto do jornal "24 Horas" diz:
“evitou que mais um homem se tornasse mais uma vítima das nossas estradas.”
No entanto, reconheço dois aspectos importantes:
1 – Ao contrário de todos os dias, na segunda fui trabalhar mais tarde.
Só por isso passei naquele local àquela hora.
2 – É preciso ter algum “sangue-frio” para enfrentar o momento.
É algo que ganhei pelas experiências a que tenho sido sujeito
De resto, nada que bombeiros, médicos e enfermeiros não vivam quase diariamente.
Ontem fui visitar o António ao S. José.
Só me reconheceu pela voz. Recorda-se de me ouvir falar, mas não guarda imagens do momento. Estava em estado de choque.
Foi operado e saiu dos cuidados intensivos. Não fala, mas há-de recuperar a voz. Reconstituíram as vias danificadas e nos próximos tempos o organismo terá de regenerar, só então lhe retiram o tubo. Ficará internado mais dez a quinze dias.
Durante os trinta minutos que estive com ele, o António fez um desenho dos cortes que tinha no pescoço. Arrepiou-se enquanto riscava no papel.
Felizmente não guardará a imagem de como estava quando cheguei ao pé dele.
Luís Castro
Não sei se lhe salvei a vida. Talvez. Mas não é o mais importante.
Dele pouco sei, apenas que se chama António e que não é de Lisboa.
O acidente aconteceu à minha frente, pelo que fui o primeiro a sair do carro e a prestar os primeiros socorros. Quem ia parando no IC 2 tinha dificuldade em se aproximar. É das imagens que nunca mais esquecemos: alguém com a garganta aberta e a jorrar sangue.
Ao fim de 19 guerras, aquele momento não me impressionou. Encher as mãos de sangue para lhe estancar a hemorragia foi um impulso natural. Enquanto esperava pela chegada da ambulância, agarrei-o nos meus braços e temi perdê-lo antes da chegada do INEM. Dei por mim a reviver uma situação semelhante há dez anos, em Angola, durante os combates no planalto central. A sirene trouxe-me de volta.
Quando o António foi levado para o Hospital S. José, entrei no meu carro a pensar nas pessoas à minha volta que deviam passar por um momento destes. Sentir o que é estar na fronteira entre a vida e a morte.
Talvez se apercebessem de como são frágeis as suas vidas.
Talvez percebessem como está errado o ranking das suas prioridades.
Talvez perdessem muita da sua arrogância.
Vídeo imediatamente após o embate.
"Estava a fumar um cigarro quando tudo aconteceu... ainda se vê Mário Mendes a ser retirado do carro."
Autor das imagens
Luís Castro