E tudo deu em nada!
Para quem não sabe, escrevi um livro sobre o impacto mediático do «Caso Maddie».
Relembro algumas passagens do “Por que Adoptámos Maddie”.
(…) Para Alípio Ribeiro, como se já não bastasse a Comunicação Social ter entrado na especulação, os jornalistas decidiram dar mais um salto e passaram para a imaginação: “E porquê? Porque a imaginação concorre com a do vizinho. É o vamos ver quem tem mais imaginação neste caso!” Os investigadores criminais chamam também a atenção dos jornalistas para algo que consideram de extrema importância no relacionamento mútuo: “Embora o «Caso Maddie» seja diferente, porque o tempo mediático se manteve todos estes meses, tal como a investigação criminal - e até talvez mais activo -, a Comunicação Social tem de perceber que o tempo da notícia não é o mesmo tempo da Justiça”, diz Carlos Anjos.
(…)
Alípio Ribeiro é mais optimista. O também magistrado está convencido que o «Caso Maddie» terá um fim, mas não será na imprensa, até porque, diz, “as notícias não nos aproximaram da realidade, mas desviaram-nos dela.” O Director Nacional da Judiciária prevê que daqui a uns anos, “quando se fizer a revisitação dos jornais que se publicaram durante estes meses, perceber-se-á que tudo isto foi muito pobre. Será um fait-diver com pouca importância e com alguns milhares de quilos de inutilidades.” O responsável máximo da PJ pede aos jornalistas que assumam também os seu erros e que não apontem apenas para a Polícia: “O que esteve mal na Comunicação Social é bom que a própria Comunicação Social o assuma por inteiro”. Rui Rangel aponta como única solução corrigir a rota, porque, diz “este caminho vai levar a Comunicação Social ao suicídio.” O magistrado prevê até que surjam “intervenções do poder político para criar mecanismos de regulação que entrem, inclusive, nos conteúdos editoriais. E isso será grave!” Por tudo isto, o juiz desembargador apela à reflexão: “Parem e vejam que estão a fazer coisas que não podem.” O Director Nacional da Polícia Judiciária segue o mesmo raciocínio do seu colega magistrado, mostrando-se ainda mais preocupado com a questão humana dos McCann: “Houve momentos em que a própria Comunicação Social foi excessiva para com os pais, fazendo comentários verdadeiramente desagradáveis, alguns deles tontos, e isso chocou-me. É sobre esses aspectos que os jornalistas devem reflectir. Fizeram-se juízos de valor horríveis sobre os pais, e esses juízos são mais terríveis do que as considerações que os jornais ingleses possam fazer da polícia portuguesa. Isso é que me preocupa.”
(…)
Para os jornalistas, os meios justificaram os fins; para os pais, os fins justificaram os meios. Ou terá sido ao contrário? Ou terão sido as duas coisas? Os jornalistas quiseram contar uma história com final feliz e usaram os pais; os pais desejaram encontrar a filha e usaram os jornalistas. Depois zangaram-se mas continuaram a usar-se. A importância dos fins levou-os a escolher o mesmo meio. Contraditório? Não. É um confronto entre os valores e a necessidade; onde a ética individual nem sempre está de acordo com a colectiva. E quem, no desespero do desaparecimento de um filho, não faria tudo o que estivesse ao seu alcance para o encontrar? Azeredo Lopes considera que o «Caso Maddie» mostra tanto a força dos media como algumas das suas fragilidades e Paquete de Oliveira tem esperança que os jornalistas venham a reconhecer que em muitas situações foram traídos e enganados. D. Januário Torgal Ferreira, sempre pronto a defender os profissionais da comunicação social, garante que se os ouvisse em confissão, não lhes reservava qualquer penitência, mas a alguns mandava-os para casa com um conselho: “Vão e não tornem a pecar!”
Luís Castro
Coordenador do Telejornal e autor do livro "Por que Adoptámos Maddie"
"Foi devastador, não só para mim, mas também para a minha família, a minha mãe e a minha filha",
Robert Murat, o primeiro arguido no caso “Maddie”, vai receber 750 mil euros de indemnização de uma televisão e dez tablóides britânicos acusados de difamação.
O inglês que vive na Praia da Luz prepara-se para fazer o mesmo com alguns órgãos de comunicação social portugueses.
Deixo uma parte do escrevi no livro “Por que Adoptámos Maddie” sobre a forma como Murat foi então tratado por jornalistas portugueses e britânicos.
Carlos Vaz, cameraman inicialmente contratado pela Sky News, conheceu Robert Murat logo no dia seguinte ao desaparecimento: “Estava na esquina da casa, muito solícito e sempre pronto a ajudar toda a gente. Disse que estava a fazer a ligação entre os pais e a polícia portuguesa. Percebi de imediato que era uma fonte importante e comecei a fazer perguntas, onde estão os pais, como são, mas rapidamente me avisou de que não poderia dizer nada. Apenas me revelou coisas soltas como ´sim, eles estão lá dentro`; e ´a polícia também já lá está`”.
Os jornalistas questionam-se: quem é esse tal Murat que andou sempre perto dos repórteres e dos investigadores? É inglês, tem uma agência imobiliária em Lagos, vive há muito em Portugal e é divorciado. Tem uma filha também de quatro anos e muito parecida com Madeleine que vive no Norte de Inglaterra com a ex-mulher, ele reside com a mãe a cerca de cem metros do local onde a filha dos McCann desapareceu. E é essa casa que a PJ investiga agora. As câmaras colocadas na rua gravam lá para dentro pelo meio dos arbustos. Vêem-se agentes da Polícia Científica vestidos de branco da cabeça até aos pés e polícias que trazem videocassetes nas mãos. As televisões transferiram os “estúdios ao ar livre” para o novo foco de interesse, a Casa Liliana; os repórteres percorrem a distância mostrando para as câmaras como ficam perto o apartamento local do crime e a moradia do agora suspeito; os fotógrafos e os cameraman disparam sobre todos os carros que entram e saem da casa e há quem relembre que a mãe dele, uma enfermeira reformada já com mais de setenta anos de idade, foi das primeiras pessoas a ver o retrato-robô e que montou ela própria uma banca perto do aldeamento, onde se dispunha a receber todas as informações que os turistas ingleses tivessem e não quisessem dar à Polícia portuguesa. Fazia-se transportar numa carrinha verde com cartazes de Madeleine nas janelas. O batalhão de jornalistas diminuíra nos últimos dias e até a Sky News reduzira a equipa para oito pessoas. Com as novidades da manhã, a televisão inglesa repõe o satff nos valores iniciais e todos fazem o mesmo. Há mesmo quem reforce com mais equipas e outros órgãos de comunicação social estrangeiros que não tinham apostado na história nos primeiros dias, fazem-no agora na expectativa de uma rápida resolução do caso.
Multiplicam-se os artigos nos jornais e as conversas dos comentadores em que, a ser verdade, a atitude deste inglês encaixa-se noutros casos conhecidos. É a oportunidade que os implicados num crime têm de acompanhar as investigações e desviar a polícia ou os jornalistas quando sentem que eles estão no caminho certo. No início da década de noventa, uma menina de nove anos, igualmente britânica, chamada Rachel Charles foi assassinada por estrangulamento com um cordão de nylon, nos arredores de Albufeira. O autor também se ofereceu e participou nas buscas. Michael Cook, amigo da família, acabou desmascarado e foi condenado a dezanove anos de prisão. O “Caso Rachel” vem dar consistência às suspeitas e alguns jornalistas portugueses e estrangeiros passam a tratar Murat como “um pedófilo sem cadastro”. Antes que a polícia o tornasse arguido, já a imprensa o tinha carimbado e condenado. Os jornalistas davam mostras de querer estar um passo à frente da investigação. Depois de ser constituído arguido, Robert Murat dá uma entrevista à Sky News onde acusa a Polícia Judiciária de tentar fazer dele um “bode expiatório” e que “a única maneira de sobreviver a isto, é o raptor ser detido”.
Retirado do livro "Por que Adoptámos Maddie"
de Luís Castro
Segundo a imprensa de hoje, os responsáveis pela PJ de Portimão e o procurador do MP entendem que não há provas que permitam acusar o casal McCann pelo desaparecimento da filha. O processo deverá ser arquivado até dia 14 deste mês, altura em que termina o segredo de justiça.
Há sete meses escrevi um livro sobre o caso “Maddie”. Não pretendia saber se Kate e Gerry eram ou não culpados, antes fazer uma reflexão sobre o fenómeno mediático que se gerou à volta do desaparecimento da menina inglesa.
Julgo pertinente recordar algumas das citações que ficaram para a História no livro “Por que adoptámos Maddie”.
Alípio Ribeiro – Director Nacional da PJ
“Escreveram-se toneladas de inutilidades”
“Fizeram-se juízos de valor horríveis sobre os pais”.
“As notícias não nos aproximaram da realidade, mas desviaram-nos dela.”
Paquete de Oliveira – Provedor da RTP
"Os jornalistas hão-de reconhecer que em muitos casos foram traídos ou enganados”.
Simon Jenkins – comentador do “The Guardian”
“Os jornalistas podem ter cozinhado tanto o caso Maddie que ele acabou queimado.”