Não sei se lhe salvei a vida. Talvez. Mas não é o mais importante.
Dele pouco sei, apenas que se chama António e que não é de Lisboa.
O acidente aconteceu à minha frente, pelo que fui o primeiro a sair do carro e a prestar os primeiros socorros. Quem ia parando no IC 2 tinha dificuldade em se aproximar. É das imagens que nunca mais esquecemos: alguém com a garganta aberta e a jorrar sangue.
Ao fim de 19 guerras, aquele momento não me impressionou. Encher as mãos de sangue para lhe estancar a hemorragia foi um impulso natural. Enquanto esperava pela chegada da ambulância, agarrei-o nos meus braços e temi perdê-lo antes da chegada do INEM. Dei por mim a reviver uma situação semelhante há dez anos, em Angola, durante os combates no planalto central. A sirene trouxe-me de volta.
Quando o António foi levado para o Hospital S. José, entrei no meu carro a pensar nas pessoas à minha volta que deviam passar por um momento destes. Sentir o que é estar na fronteira entre a vida e a morte.
Talvez se apercebessem de como são frágeis as suas vidas.
Talvez percebessem como está errado o ranking das suas prioridades.
Talvez perdessem muita da sua arrogância.