** Luís Castro, da RTP, em serviço especial para a Agência LUSA **
Bagdad, 18 Mar (Lusa) - "Bem-vindos a Bagdad. A Royal Jordanian deseja-vos uma boa estadia!" A voz meiga da Ersaa, a hospedeira, contrasta com aquilo que vamos encontrar lá fora: a cidade mais perigosa do mundo, cinco anos depois do início - a 20 de Março de 2003 - da intervenção militar no Iraque por parte de uma coligação liderada pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido.
Desço do avião e começo a distribuir "salamalecuns" a toda a gente. Ao meu bom-dia em árabe, respondem-me de igual forma com um "alecumsalam", acompanhado de "o seu visa, por favor". O polícia de serviço na alfândega do aeroporto internacional de Bagdad percorre as folhas do meu passaporte, olha-me nos olhos e atira: "você gosta do Iraque!" Digo que sim, que é a sexta vez que venho ao país dele. À pergunta se não tenho receio, respondo-lhe que mente quem disser que não tem medo. Eu tenho uma ligeira vantagem: já sei ao que venho.
Bassim, mais do que meu guia, já é um amigo. Desde os tempos da guerra que falamos ao telefone várias vezes por semana. Ainda no aeroporto põe-me a par do último atentado que fez dez mortos e quarenta feridos. Foi no centro de Bagdad, numa zona muito movimentada. Sangrento e horrendo, mais ainda porque atingiu quem nada tem a ver com esta guerra.
Seguimos por Hila Street, uma das estradas mais perigosas do Iraque e, sempre que as colunas militares americanas se aproximam, Bassim encosta o carro à berma e deixa-as passar. "São muito nervosos", diz-me este sunita de quarenta e poucos anos que resmunga em árabe sempre que se cruza com os soldados da coligação. Vêm-me à memória as palavras com as quais ele se despediu de mim aquando da minha última passagem pelo Iraque: "espero um dia acordar e ver que o petróleo se transformou em água. Aí os americanos deixarão de caminhar sobre o ouro!"
Entramos em Bagdad. É uma cidade cada vez mais escondida por muros de betão e arame farpado. Mesmo assim sinto-me mais seguro. Os recentes acordos entre sunitas e xiitas e a entrada de mais elementos do antigo partido Baas para o Ministério do Interior fizeram diminuir a violência sectária.
Igualmente importante para a futura estabilização do Iraque foi a mudança de atitude dos sunitas em relação à Al-Qaeda. Antes ajudaram-nos, agora combatem-nos ferozmente. Chamam-lhe o "Despertar".
Peço a Bassim que me explique melhor esta mudança de atitude. Fá-lo com a simplicidade e mestria que lhe conheço desde 2003: "Para os sunitas, os inimigos dos nossos inimigos, nossos amigos são!" Como assim? - insisto. "Eles não estavam a fazer bem ao nosso país. Assim, se a Al-Qaeda é inimiga da América, então os sunitas passaram a ser amigos dos americanos".
Noto que apesar de rabujar quando os vê, Bassim já não é tão acintoso para com os ocupantes. Na verdade, os americanos perceberam que não conseguirão construir a paz sem os que fizeram parte do regime de Saddam Hussein.
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